segunda-feira, 30 de agosto de 2010


O medo nos tempos de infância

E que era o medo nesses dias de inacabáveis descobertas?
O tempo era um estado sem nexo para nós, horas minutos ou dias só significavam mapas de tesouros ainda por descobrir e o medo não tinha significado de opressão nem covardia, muito menos empecilho para continuar a aventura da vida.
Porém, lembro de um “mendigo” personagem que andava no bairro e que era o inspirador do Medo, inspiração esta divulgada pelas mães a fim de reter seus filhos sob seu território materno.
“““ ““O Personagem em questão tinha o apelido de “Sal si puedes”, que traduzido quer dizer algo assim como,”sai de aqui se puder” .
Era velho como todo mendigo, porque para uma criança toda miséria é algo velho e ferido, cabelos brancos, encurvado e de um nariz bem pronunciado , carregava sacos brancos , de linho, brancos, absolutamente brancos como os seu cabelos e o seu olhar perdido.
Acostumava aparecer pela minha rua sempre depois que tinha chovido e filosofava sobre a condição humana e as misérias do mundo.
Meu medo , que eu tinha aceito por imposição materna, era o de ele me pegar e me carregar para dentro desses sacos imaculadamente brancos, que eu via como se fossem os troféus que ele tinha ganho nas suas andanças, e claro para mim esses troféus éramos nós, meninos que ele guardava nesses sacos .
Então eu ficava escondido por traz da cerca querendo entender o que é falava, sozinho no meio da rua, com a lama ate os joelhos, tentando descobrir a palavra mágica que tirasse o meu medo, ele não podia ser tão mau , pois eu tinha percebido no seu olhar distante um misto de poesia e batalhas,mas,eu congelava cada vez que queria assomar a cabeça para descobrir a tal da magia libertadora .
Um dia aconteceu o milagre, ou talvez dois milagres, o primeiro foi o fato de o meu pai estar com a gente, já falei que ele viajava, esse dia ele estava para nós e isso já era motivo mais que suficiente de alegria e coragem para enfrentar qualquer coisa.
Esse dia estávamos indo para algum lugar e “Sal si Puedes” apareceu do nada, claro eu inventei alguma desculpa para voltar atráz, não ia demonstrar para o meu pai o meu medo, o meu estado humanamente gélido, nem coisa parecida e deixei meu pai a alguns metros de mim e muito perto do mendigo , pensando que num ato de magia meu pai fosse fazer desaparecer essa forma corpórea do medo.
Então meus olhos viram o segundo milagre, os dois estavam conversando amigavelmente e rindo, RINDO! , como poderia ser isso ? eu sabia que o meu pai era um super homem , mas não imaginava que só com um sorriso ele fosse acabar com a personificação esfarrapada do medo.até um cigarro fumaram junto e eu ainda petrificado pela cena não conseguia discernir se era verdade ou era só o meu onírico desejo .
Alguns minutos se passaram e o meu pai percebeu que eu estava lá, alguns metros cósmicos da situação, veio, me pegou no colo e me levou apara conhecer o sujeito.pude ver claramente no seu olhar as geografias do espanto e infinitas ternuras misturadas num mesmo ser.
Falou algo sobre Sócrates ( não lembro o que) e me explicou o porque do apelido, na realidade “ Sal si puedes” , era o nome de uma cidade da Espanha e ele dizia que essas ruas lamacentas eram iguais, eu perguntei se ele era de La, ele falou, não, mas toda rua lamacenta teria que se chamar assim e rasgou a manhã com uma gargalhada que ate hoje ainda escuto.
Era o fim do medo e o começo da alegria!

Flavio Pettinichi - 30 – 08 - 10

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